Quando caiu a ficha, no fim da estrada, no fim da linha, separou-se-lhe a alma da vida e deixou de ser humano. Sem alma não podia sentir e sem vida não podia caminhar.
Olhou ao seu redor e nada lhe pareceu familiar, nem um traço, nem um sorriso, nem um olhar e girou o corpo. Para trás avistavam-se pegadas, provavelmente suas, que em linha recta se estendiam até ao horizonte, até onde a fraca condição em que estava não o permitia mais voltar.
Fechou e abriu os olhos, estava num lugar solarengo e seco, sem verdura, sem cheiros, sem pessoas. Sentiu-se só e, contrariando o sentimento, voltou a girar sobre o seu eixo e continuou em frente.
Passaram-se algumas luas e, quando os pés eram já descalços, cruzou-se com o narrador que escreveu a sua história. Contou-lhe como havia ficado sem vida e sem alma, num único instante, e como acordara sem nada que o fizesse lembrar-se de onde vinham as pegadas que marcavam o chão desidratado. Contou-lhe como tinha sede e fome de si, de voltar a existir, e de como sozinho esquecera a fala e aprendera linguagem gestual.
Enquanto reaprendia os sons, o narrador ouvia, escrevia… e cativava-se. Eram sons melodiosos, eram histórias sem par, era uma solidão intensa e tão profunda que se sentiu ser puxado e enterrado em tão grande erma.
Guardou a esferográfica, abriu o coração e deu ao desconhecido os seus sapatos, decidido a acompanhar descalço aquele destino.